quinta-feira, 16 de maio de 2013

Cor

Era uma bela tarde de sol, e eu caminhava sozinho pela praça, depois de um dia duro de trabalho.
O ar estava seco e aquecido pelo sol, mas uma brisa mais fria soprava de vez em quando. Era um dia tranquilo, as pessoas caminhavam devagar, evitando cruzar seus olhares, como sempre...
Então veio uma dor bem maior, uma pontada no meu peito. Não era como um infarto, pois não era músculo nem artéria que me doía... Era uma dor profunda na alma, uma angústia e tristeza infinita que me assomou naquela tarde, no meio da praça...
Senti desaparecer nesse momento toda e qualquer esperança do meu coração...

De repente percebi que o mundo todo havia se tornado cinzento. Entrei em desespero por não conseguir ver mais nenhuma cor. O amarelo dos ipês, o verde da grama, o azul do céu... nada. Procurei a cor por todos os lados naquele lugar, mas tudo havia se transformado em tristes tons de cinza.
Pensei que pudesse ser superficial, pois era como se tudo tivesse sido coberto por fuligem, então quis aprofundar a minha busca. Esmagava as flores, arrancava a casca das árvores, mas por baixo continuava igual, tudo cinza. As pessoas passavam sem me notar, todas cinzentas também. Pensei que pudesse ser apenas um problema de visão, então perguntei à algumas delas: "Qual a cor dessa flor?", e elas respondiam tristemente: "Cinza... por que?"

Caí no chão, desolado. As cores haviam deixado este mundo. Mas eu não conseguia aceitar, ainda não tinha procurado o suficiente pra me convencer...
Deixei de abrir as flores e frutos das árvores, e comecei a fazer o mesmo com os insetos que conseguia capturar. Precisava ver suas entranhas verdes ou amarelas como deveriam ser... Mas era tudo cinzento também.
E eu precisava da cor. Precisava desesperadamente ver a cor. Pensei na sua beleza, no encanto que as cores me traziam... Na serenidade do azul, na alegria do verde, no eletrizante amarelo, no cálido laranja.... Pensei no vermelho! Pensei no fogo do vermelho: vívido, pulsante! O vermelho que sempre foi minha cor preferida.
Eu precisava do vermelho, não podia suportar... Esse mundo cinzento era triste demais...
Com uma pedra, acertei a cabeça de um bêbado esfarrapado que dormia num canto afastado, mas ainda não consegui ver o vermelho. Com um pedaço de sua garrafa quebrada, rasguei-lhe a barriga. As vísceras cinzentas e pretas se espalharam enquanto ele emitia um último gemido surdo...
Impossível! Onde estava o vermelho?

Depois de algum tempo revirando o seu interior com minhas próprias mãos com a ansiedade de um drogado enquanto procura o que tanto deseja
, finalmente o encontrei! Estava ali, tão pequeno que quase não se podia notar: diluído na imensidão de cinza, um pequeno rastro vermelho.
Comecei a remexer desesperadamente o pobre diabo, em busca da fonte daquela ínfima gota de cor, então percebi que aos poucos, apareciam outras... 
Enquanto lacerava a carne do infeliz, o caco de vidro havia feito um pequeno corte em minha mão, e este era o responsável pelas belas manchas escarlates que me enchiam os olhos no meio daquela imensidão cinza...
Mas eu queria mais, eu precisava ver mais! Aumentei o corte, e meus olhos se encheram de lágrimas ao ver o mais belo e vívido tom de vermelho que jamais tinha visto em toda minha vida correndo pelo meu braço...
Eu não podia suportar viver num mundo sem cor, precisava preencher todo aquele mórbido cenário com a cor mais incrível que já havia visto, cuja única fonte era o meu próprio corpo... Depois de algumas apunhaladas o cinza finalmente deu lugar à imensidão rubra... o gramado, as flores, até mesmo o céu me parecia de um vermelho intenso, vivo como o sangue. No final, meu coração se acalmou, e foi quando pude constatar que ele também era vermelho...

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